ÉTICA E ESTÉTICA EM LIMA BARRETO: DAS CONFISSÕES À FICÇÃO
Literatura e sociedade. História. Memória. Resistência. O avesso da arte.
A relação entre literatura e sociedade se manifesta de modos diversos em cada obra. Isso nos possibilita interpretá-la a partir de diferentes hipóteses. Nos romances de Lima Barreto essa relação se expressa através de uma profunda preocupação com a problemática social que perpassa o contexto brasileiro pós-abolição e inícios da República Velha. Desse modo, ao mesmo tempo em que materializam seu inconformismo diante das injustiças e contradições sociais, ganham forma por meio dessas representações na configuração do espaço, das personagens, do enredo e demais elementos que estruturam suas obras. Observadas essas peculiaridades, buscamos nesse estudo analisar a problemática social, política e cultural entre o final do século XIX e início do século XX, a partir da dimensão ética e estética em obras de Lima Barreto. Desenvolvemos o nosso propósito por meio de uma análise crítica de base interpretativa. Assim, o Diário íntimo, os prefácios autorais e o ensaio/palestra “O destino da literatura” evidenciam de que modo Lima Barreto traça seu projeto literário. O romance Clara dos Anjos se configura por meio da história, da memória e da resistência. Em Isaías Caminha, a representação da realidade se converte no avesso da arte recreativa. Inicialmente, percebemos que a dimensão pessoal é um dos impulsos que encoraja as obras do escritor carioca, mas não o personalismo. Desses resultados, podemos concluir que suas motivações são mediadas por um sentimento maior, o de mostrar – inclusive tomando-se como exemplo –, recorrendo à ironia, o que não se pode enxergar na imediaticidade do cotidiano. Assim, a narrativa traduz a história ao revelar o que se esconde por trás das aparências de um ideal de modernidade. Dá voz aos esquecidos para que revelem suas dores e sofrimentos. Nesse cenário, a resistência ao opressor é uma necessidade à existência. Do mesmo modo, as linhas tortas são propositalmente uma provocação ao academicismo da época. O método de composição, que oscila entre narrar e descrever, é uma investida contra a atitude contemplativa de muitos escritores que desconsideraram a questão social. Finalmente, através da fisionomia intelectual de Isaías, ocorre o desencantamento do mundo, é quando as contradições encobertas pela imediaticidade do cotidiano são iluminadas.