INFÂNCIA DO/NO CAMPO: PERSPECTIVAS DECOLONIAIS E RESISTÊNCIAS CULTURAIS
Infâncias do campo, Decolonialidade, Práticas pedagógicas, Educação do campo.
Ser criança no campo é viver a infância em diálogo direto com a terra, com os ciclos do dia, os sons dos animais e os cheiros do mato seco ou molhado. É criar mundos a partir de paus, pedras, redes e galhos de árvores, em um território onde o tempo parece se estender ao ritmo da natureza. No entanto, por trás dessa leveza, persistem invisibilidades que marcam a vida das crianças, especialmente devido à carência no sistema educativo. A educação, que deveria reconhecê-las, frequentemente as resume a uma cópia do modelo urbano, desvalorizando suas identidades. Esse cenário é resultado de um sistema educacional forjado em bases co-lonialistas e urbanocêntricas, a serviço de interesses políticos e econômicos, que impõe e explora, sobretudo, as populações do campo. Quando a educação não concilia o mundo cul-tural das crianças com as práticas que as formam, elas se tornam estrangeiras de sua própria cultura, como aponta Freire (1981). A escola do campo deveria integrar o arcabouço cultural das famílias camponesas, refletindo seus modos de vida, trabalho, costumes, tradições e, principalmente, suas lutas históricas por direitos. Diante disso, torna-se necessário refletir sobre essa que é a primeira e mais concreta forma de institucionalização desses povos: a educação. Surge, então, a pergunta: seria a educação um dos principais instrumentos para moldar e perpetuar um sistema que mantém intactos o atraso e o apagamento dessas culturas? Para responder a essa reflexão, a pesquisa propõe os seguintes questionamentos: como tem sido desenvolvida a educação para crianças pequenas no campo? Sua cultura tem sido con-siderada ou negada? A decolonialidade tem se feito presente e reparado as consequências históricas ou, ao contrário, a colonialidade do poder e do ser tem aprofundado o apagamento das ancestralidades culturais dos povos campesinos? Para buscar respostas, a pesquisa ana-lisará documentos e políticas educacionais, investigando de que maneira consideram — ou desconsideram — os modos de vida, saberes e necessidades das infâncias do campo. Propõe-se, ainda, investigar as práticas pedagógicas desenvolvidas com essas crianças por meio de observações em escolas do campo, escutando professores para identificar suas relações de pertencimento com as comunidades e as possíveis tensões entre os pressupostos legais e a realidade vivida nas instituições. Serão realizadas entrevistas participantes para compreender o contexto social, cultural e territorial das crianças e suas famílias. A pesquisa ancora-se na Perspectiva Sócio-Histórica das Ciências Humanas, especialmente na abordagem histórico-cultural de Vigotski (2005; 2007) e nas contribuições de Freire (1981; 2003), que defendem uma educação que reconheça o mundo cultural dos sujeitos e se comprometa com sua hu-manização. Nessa direção, a escrita acadêmica entrelaça também as vivências e memórias da pesquisadora, compreendidas como parte da construção do conhecimento, conforme apontam Freire (2003) e Bogdan e Biklen (1994). A dissertação será estruturada a partir de discussões que fundamentam o histórico da Educação do Campo no Brasil, com base em Prado Júnior (1961), Petty, Tomb e Veras (1981) e Prado (1995); a pedagogia decolonial inspirada por Caldart (2012), Maldonado-Torres (2007) e Quijano (2007); e, no debate sobre as infâncias do campo e seus contextos culturais, apoiamo-nos em Sarmento (2007), Piaget, Vigotski (2005), Ubarana e Lopes (2012) e Dalberg, Moss e Pence (2003). Como referência para a abordagem da pesquisa participante e ativista, seguimos D’Souza (2010), Bogdan e Biklen (1994), Minayo (2016), Freire (1987), Ludke e André (1986) e Vigotski (2009). Es-pera-se que a pesquisa contribua para a visibilização das infâncias do campo, evidenciando como as práticas pedagógicas podem (ou não) dialogar com os contextos culturais e históri-cos das crianças do campo, além de apontar os desafios enfrentados por educadores na efe-tivação de uma educação do campo com perspectiva decolonial. Os resultados deverão ofe-recer subsídios para a reflexão sobre práticas pedagógicas mais comprometidas com a diver-sidade cultural e a justiça social, além de reforçar a importância da escuta e do reconheci-mento das vozes das infâncias do campo.