PRESSÃO ESTÉTICA, DISTORÇÃO DE IMAGEM E BODY SHAMING: A CONSTRUÇÃO DOS PONTOS DE VISTA E DAS REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS EM NARRATIVAS DE SI DE MULHERES
Ponto de vista. Responsabilidade enunciativa. Representação discursiva. Narrativas de si. Pressão estética.
1. A Análise Textual dos Discursos (ATD), quadro teórico desenvolvido por Jean-Michel Adam, elabora, no interior das discussões promovidas pela Linguística Textual (LT), uma abordagem teórico-metodológica que propicia aos analistas do texto aproximar-se de seu objeto de estudo através de sua interface com o campo mais vasto das práticas discursivas. Ao examinar o texto em suas múltiplas dimensões, abrangendo aspectos de ordem estrutural, semântica, enunciativa e pragmática em integração às suas condições discursivas de existência, a ATD revitaliza as perspectivas teóricas em Linguística Textual e cria oportunidades para explorar interseções com outras vertentes nos estudos linguísticos, entre as quais a Análise do Discurso e Teoria da Enunciação se destacam. Sua proposta analítica expõe, dentre outras categorias, as vozes que subjazem todo acontecimento enunciativo, reveladoras de posicionamentos do locutor sobre si, sobre o outro (coenunciador) e sobre a temática tratada, além de permitir evidenciar as representações discursivas que emergem dos enunciados. Em consonância com esses pressupostos, esta dissertação enfoca os níveis enunciativo e semântico de análise textual, assumindo como objetivo investigar os pontos de vista, a responsabilidade enunciativa e as representações discursivas presentes em narrativas de si de mulheres sobre pressão estética, distorção de imagem e body shaming. Para tanto, a filiação teórica fundamenta-se, sobretudo, em Adam (2011, 2017, 2019, 2022), para discutir sobre as categorias ponto de vista e representação discursiva; e Rabatel (2016a, 2016b, 2021), para abordar a noção de responsabilidade enunciativa. Em termos metodológicos, é uma pesquisa de abordagem qualitativa, de viés interpretativo, segue o raciocínio indutivo e, quanto a coleta de dados, é de teor documental. O corpus é formado por nove narrativas de si (Maia-Vasconcelos; Freitas; Cardoso, 2015) de mulheres, coletadas nas mídias Instagram, YouTube e Twitter. A partir do tratamento analítico, constatou-se a ascendência de um movimento de assunção de responsabilidade enunciativa, caracterizado pela expressão de pontos de vista que corroboram a existência da pressão estética, distorção de imagem e body shaming, indicando suas possíveis causas e estruturas de sustentação. Tal movimento de engajamento enunciativo se alinha ao teor de pessoalidade subjacente às narrativas de si, textualidades marcadas pela exposição das percepções, pensamentos e vulnerabilidades de seus sujeitos enunciadores. Manifestando seus pontos de vista mediante a construção dos objetos de discurso, as narradoras (L1/E1) provocaram, predominantemente, discussões acerca dos papéis implicados no debate sobre pressão estética, questionando a respeito dos discursos sexistas, machistas, racistas e capacitistas que atravessam as formações sociodiscursivas e que fundamentam paradigmas estéticos. No interior dessa conjuntura, observou-se a projeção de representações discursivas dos atores associados às problemáticas debatidas, os quais foram evocados frequentemente nas narrativas através da imputação de responsabilidade enunciativa: (i) os homens, sujeito coletivo ao qual é atribuído uma imagem de omissão e conivência; (ii) as mulheres, concebidas a partir de uma percepção multidimensional, sendo representadas ora como vítimas, ora como reprodutoras dessas problemáticas e, ainda, como insurgentes contra esse quadro de opressão estética; e, em um menor papel atribuído, (iii) a mídia, representada como algoz e responsável pela manutenção dos padrões de beleza que geram pressão estética. Identificou-se, por fim, uma acentuada tentativa de estabelecer uma interação direta e próxima com seus coenunciadores, o público das plataformas midiáticas, instigando-o a adotar uma atitude reflexiva diante da temática abordada, utilizando, para tanto, de estratégias argumentativas, bem como das potencialidades plurissemióticas da textualidade digital.