Os filmes de cangaço de Glauber Rocha, a cultura popular e a indústria cultural
Indústria cultural. Theodor Adorno. Glauber Rocha. Cinema. Cangaço. Cultura popular.
No fim da primeira metade do século XX, Theodor Adorno e Max Horkheimer desenvolveram o conceito de indústria cultural, um movimento que promove a estandardização da arte e, ao mesmo tempo, reflete os interesses de seus produtores. No contexto da indústria cultural, a arte se transforma numa mercadoria marcada pela repetição, que pode ser vista nas principais mídias, como o cinema, a televisão e o rádio. Durante as décadas do cinema clássico hollywoodiano, as empresas cinematográficas alimentaram as demandas de entretenimento com filmes caracterizados por uma linguagem formular e pela homogeneidade. O modelo narrativo da Hollywood clássica sustenta o status quo capitalista e oferece à arte do cinema uma forma pragmática de fazer filmes cujo seamless style (estilo sem costura ou estilo invisível) – termo usado por Seymour Chatman (1990) – tenta esconder a força manipuladora do sociedade técnico-racional moderna, que introduz a ideologia da indústria cultural nas obras. Apesar do diálogo com o western, um dos gêneros cinematográficos mais influentes, Deus e o diabo na terra do sol (1964) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969) recusam o que se pode chamar de fórmula do gênero. Dirigidos por Glauber Rocha, esses filmes foram realizados fora dos padrões tradicionais de produção, rejeitando a forma narrativa estandardizada e muitas de suas implicações políticas. Com base nessas considerações, esta dissertação analisa a maneira como Rocha, usando técnicas narrativas que contrastam com o procedimento industrial, constrói um mundo particular onde o cangaço – a mais famosa categoria de banditismo do Brasil – é tratado como um fenômeno pré-revolucionário. Providenciando uma nova visão para a cultura popular, seu trabalho de vanguarda se move na direção oposta à do nordestern, uma adaptação brasileira do western americano que usa a imagem do caubói como um modelo para talhar a personagem do cangaceiro de acordo com as regras do método clássico. A fim de compreendermos a visão revolucionária de Rocha sobre o cangaço e a complexa sintaxe de seus filmes, fazemos uso de um grande número de trabalhos de múltiplas áreas, como estudos sobre cinema, história do banditismo e da cultura popular e, claro, discussões que seguem os conceitos iniciais de Adorno e Horkheimer e as elaborações tardias de Adorno sobre a indústria cultural.